segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sobre como o Amor pode salvar o mundo

É muito comum encontrar algum texto meu por aí falando sobre Amor. Já perdi a conta de quantas vezes me chamaram de romântica ou mesmo de ingênua por causa da minha visão sobre o Amor. De fato, o Amor pra mim é uma bandeira, acho que é o propósito e a solução de tudo. Para mim, Amor é sinal e meio de (r)evolução. Para mim, o Amor é o que pode curar o mundo. E lá vem a ideia de que sou passiva demais ou utópica demais por acreditar que o Amor resolverá todos os nossos problemas. Mas, antes de qualquer coisa, acho bom contextualizar de que tipo de amor estamos falando aqui.
O que eu entendo por Amor é muito mais do que a concepção romântica e institucionalizada do que é amor. Note que eu escrevo de propósito Amor com A maiúsculo, não por acaso, porque pra mim Amor é Deus. Vamos subverter aquela máxima cristã: Deus é Amor? E se Deus não for somente uma entidade superior humanamente entendida como um ser barbudo em um trono suntuoso? E se Deus for essa energia transformadora que, de uma hora para outra, me faz querer abraçar alguém ou, ao menos, calçar seus sapatos? E se Deus for essa energia que se multiplica quanto mais próximos estamos da essência de algo, de alguém ou de nós mesmos? Bom, é isso que eu entendo como Amor. E, pessoalmente, para mim Deus é sim uma entidade suprema, mas o Amor também é, porque são a mesma coisa. Então, para definir, o tipo de Amor que estamos falando aqui é basicamente a energia que me faz me reconhecer no outro (e em tudo).
Pois bem, dito isso, é óbvio que não estou sendo romântica. O amor romântico nasce de uma ideia de possessividade, de autoritarismo, de sacrifícios desnecessários. Aliás, na minha concepção, o amor romântico é um artifício para que não vejamos o Amor real, é algo que nos confunde. Para começo de conversa, o amor romântico determina que devemos encontrar uma pessoa ideal que se encaixará perfeitamente nas nossas vidas e só seremos felizes quando isso acontecer, sem essa pessoa seríamos apenas metade de uma laranja. É aí que, por esperarmos alguém para nos completar, esquecemos de amar a nós mesmos e, quando conseguimos, somos vistos como egoístas. E mais, quando encontramos a suposta metade da laranja, esse amor deve superar todas as nossas outras relações, inclusive a que temos com nós mesmos, de modo que abrir mão de si vira prova de amor (como se o verdadeiro Amor precisasse de provas). Mais à frente, faço um texto sobre Amor Livre e a necessidade de desconstrução do amor romântico, mas o fato é que não, quando digo que o Amor pode curar o mundo, não estou sendo romântica.
E quanto a ser utópica? Curar o mundo? Parece papo de hippie pode crer, não é? Mas isso, como discurso, não me serve de nada. Para mim, Amor é prática, não teoria. Amor é se reconhecer no outro. Daí que vem a cura (e sim, o mundo está doente e não perceber isso é um dos piores sintomas). Se eu me reconheço no outro, não vou querer que ele sofra o que eu não quero sofrer. Se o outro sou eu, como posso querer que ele tenha menos oportunidades que eu? Se eu paro para sentir um pouquinho de empatia e "humanizar" meus inimigos, eu posso até não concordar com eles, mas não vou perder meu tempo disseminando discursos de ódio, vou é tentar entender e achar uma solução conjunta, sem disputas.
Isso quer dizer passividade? Creio que não. Sempre fui de luta, mas minha luta nunca foi cega. Sempre lutei por Amor, porque não suporto ver injustiça, porque não suporto ver o outro, que sou eu ou eu, que sou todos os outros, sendo maltratado só por ser quem é. No fim das contas, é uma luta por empatia sim senhor, porque só o que eu quero é que o outro se coloque no meu lugar. É uma luta por Amor. É claro que nem sempre vamos resolver a questão cantando mantras. É claro que às vezes teremos de ser duros para sermos ouvidos, mas o que queremos que ouçam é um "Eu também mereço. Eu também participo. Eu sou como você" e não uma disputa de poder. O grande problema que enfrentamos hoje em dia é que a luta por empatia tem sido esquecida e substituída pelo ciclo de ódio. Eu odeio quem me odeia e por ele sou odiado. E o ódio é multiplicado. E ninguém mais consegue se comunicar, porque o ódio é a ausência de Amor, é a impossibilidade de se reconhecer no outro, eu odeio tudo aquilo que não reconheço como sendo eu. E, no meio de tanto ódio, não lembramos mais pelo que lutamos, apenas lembramos de lutar. Todos os dias. Não queremos mais dialogar, porque o objetivo não é mais gerar empatia, fazer com que o outro entenda meu ponto de vista e vice-versa e tentar achar uma solução em comum. Só o que resta é a disputa incansável e insolúvel. E um mundo doente.
Pode parecer utopia da minha parte crer tão veementemente no Amor como solução para as feridas do mundo. Mas, graças a isso, consigo conversar e argumentar com pessoas com pontos de vista completamente diferentes dos meus e entendê-las e me fazer entender por elas, sem brigar. Com respeito troco de lugar com ela. Graças a isso, sou bem recebida em todas as partes, desde o bom dia da zeladora do prédio ao do funcionário de alto escalão. Porque eu sei que estou em todos eles e que, mesmo sendo única, todos eles também estão em mim. Posso sim ser uma iludida, ingênua e passiva, mas, na boa, o caminho do Amor anda funcionando muito bem na minha vida. E o caminho do ódio, será que funciona?




sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Foi-se o tempo que havia tempo


Parei um instante para pensar o tempo. Em minhas aulas de literatura, tenho estudado bastante sobre a modernidade e como a noção de tempo se desfez do século XX pra cá. Faz todo o sentido. No século XX tivemos diversas guerras, incluindo as duas Guerras Mundiais, tivemos grandes colapsos financeiros, tivemos regimes totalitários por todo o mundo. Era uma vez alguém nascido no século XX que percebeu que a História acontecia enquanto se vivia, e não nos grandes livros e manuais do passado. Era uma vez a história presente. Foi quando se perguntou pela primeira vez: tempo? 

De um dia para o outro, já não havia mais respiro de um dia para o outro. Era uma vez uma carroça que se transformou num carro, era uma vez um carro que se transformou num trem, era uma vez um trem que se transformou num jato, era uma vez uma sonda no espaço... Espaço? De um dia para o outro eu atravessei o mundo. Romperam-se as distâncias. Deu em todos os jornais. O que eu ouvi do meu avô para contar aos meus netos, de repente, estava impresso — e nem era em revista quinzenal! Não bastava mais o cotidiano do jornal. Não bastava mais os boletins hora-em-hora da TV. De hoje em diante, a cada segundo tudo pode acontecer, é piscar o olho para não ver! O que aconteceu com o tempo?

Outro dia, desliguei o celular e descalcei os sapatos. Deitei na grama, acompanhada de um bom livro. E respirei. E me lembrei! O livro contava histórias sobre contadores de histórias. Respirei antepassados e uma infância sem relógios. Sabe-se lá quanto tempo durava a brincadeira.Sabe-se lá quantas horas eu passava dançando nos galhos de uma árvore, a devorar amoras feito passarinho. Sol batendo de mansinho no meu rosto, preguiça gostosa de não saber que horas são. Acordei da preguiça e decidi voltar. Depois de me reconectar com a terra, reconecto o celular. Ainda não sei quanto tempo passou, menos que o suficiente para terminar o livro. Mas os minutos, supostamente perdidos, me foram cobrados um por um. "Você não responde minhas mensagens?"; "Professor mandou e-mail com as próximas leituras"; "Mais uma reforma tramita no Congresso Nacional"; "Saiu o polêmico episódio daquela série que não vi"; "Aonde você estava?". Aonde eu estava? Aonde estamos todos nós? A cabeça nem sabe mais dar conta do tempo que já não temos. Mais uma vez se perguntou: tempo?


Hoje fui à aula de Estudos Literários e a professora me encantou. "Tempo é transformação", ela disse. O que chamamos de tempo já não pode ser determinado pelos ponteiros do relógio. Como se, hoje, minhas duas semanas não comportam mais nem duas horas do que era o tempo alguns anos atrás? Segundos e minutos são as mesmas unidades, mas, com a moderna correção monetária, já não valem quase nada. Sei que minha avó assistia semente dar flor sem a menor pressa. Hoje, compramos flores de plástico e ainda reclamamos da fila do mercado. Estamos sempre atrasados, mas nunca sabemos para quê. Voltando à aula de Estudos Literários (história da literatura e invisibilidades), me pergunto: como pensar o tempo se já extrapolamos o calendário? Quanto valeu o futuro? Quanto vai valer o passado? Era uma vez o tempo em que aproveitávamos o tempo, bendito passado dourado. Mas, se, em literatura, toda leitura é uma releitura, não há como existir passado, a menos que ele esteja presente. Paradoxos literários. Digamos mais, como é possível um passado dourado se, para sê-lo, ele precisa ser constantemente atualizado?

"Tempo é transformação", a professora falou, "Você escolhe a maneira como vai mudar". A verdade é que não existe progresso ou retrocesso, o que existe é a mudança. No fim das contas, o tempo nada mais é do que uma escolha. Já não envelheço de um ano para o outro, apenas me transformo, se para melhor ou pior, depende de como eu escolho mudar. Tempo é escolha e, quando não escolhemos, por ele somos arrastados. Também é uma escolha ficar estagnado e permitir que o mundo mude sem você. Tempo é movimento e, para não se perder no caminho, é bom ter sempre em mente para onde se está indo. E nunca se deixar parar. Até porque, teimar num canto e se deixar empoeirar não vai te impedir de mudar. É você quem escolhe no que vai se transformar.

"Atente ao tempo:
Não começa, não termina
É nunca, é sempre"





quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Sobre como aprendi a voar

Salve, hipotético público do meu blog! Como podem ver, as coisas andam meio diferentes por aqui, como não poderia deixar de ser, já que agora eu sou uma Sarah inteiramente nova. Ainda ando cheia de opinião pra dar e receber, porque a gente muda, mas o ascendente continua sendo em Gêmeos, né? Mas andei colocando as asinhas de fora e, embora ressuscitando este tão querido diário virtual, há de se perceber que muita coisa na minha cabeça tem mudado nesses 4 anos desde a última vez que escrevi (graças a Deus), mas é claro que a essência da coisa e da Sarah continua a mesma (graças a Deus!).
Ultimamente tenho um monte de coisas sobre as quais quero escrever, mas, pra começo de conversa, quero contar como cheguei até aqui. Vamos lá, da última vez que estive por esse blog, eu era uma estudante de Comunicação Social, ligeiramente agnóstica e mentalmente perturbada por uma Síndrome do Pânico que já me fazia companhia desde a adolescência. Pois bem, a Sarah de hoje resolveu conquistar o sonho antigo de viver das Letras, carrega a Umbanda no coração e achou em si tamanha segurança em ser-se que já não deixa medo nenhum a dominar.
Como isso aconteceu? Sei lá, mas suspeito que foram anjos. Um dia meu irmão me contou que os anjos nada mais são do que pessoas que alcançaram o fundo do poço e tiveram de encarar seus maiores demônios, mas que, lá do meio de sua própria escuridão, conseguiram enxergar uma réstia de luz, pegar impulso lá do fundo e se jogar no melhor que se pode ser. De certo modo, foi isso que aconteceu comigo, fui descobrindo minhas asinhas de anjo e agora ando aprendendo a voar.
Em 2013, ainda dominada pelo pânico, fui a uma festa na rua com meu primo. Ouvi uma conversa sobre um tiroteio e meu coração começou a acelerar. Pouco depois soube que um homem havia sido baleado ali, naquela mesma rua, há alguns minutos. Senti a crise começar a bater. O ar me faltava, as extremidades começavam a tremer. Procurei meu primo imediatamente, eu precisava sair dali. Ele tinha bebido e dizia bem distraidamente que não poderia dirigir. Foi quando vi dois camburões repletos de policiais armados até as unhas, armas enormes, correndo pelo perímetro das quadras, provavelmente procurando o autor do disparo. Eu precisava sair dali. E se a crise batesse? Se eu perdesse o controle, ia acabar no chão, semi epilética, e não conseguiria sair daquela situação de risco. O medo de perder o controle foi o que me deu segurança para pegar a chave do carro do meu primo e nos levar pra casa, sem pensar duas vezes.
Passei o dia inteiro sem conseguir falar, estava traumatizada. Quem já viveu o pânico sabe que qualquer detalhe pode virar um gatilho. Quando estava em crise, eu não conseguia dormir, porque poderia morrer durante o sono. Às vezes tinha medo de levantar, porque poderia cair e bater a cabeça perigosamente, então acabava passando horas deitada imóvel... Enfim, eram as mais criativas possibilidades de ser ameaçada pelo mundo. Eu tinha medo de viver. No dia seguinte ao incidente, só a ideia de sair de casa já me evocava mil e uma balas perdidas. Fiquei preocupada com o que minha própria mente podia aprontar e mandei mensagem para o meu irmão explicando a situação, porque além de ser estudante de psicologia na época, ele sempre foi um grande mentor pra mim. Ao conversar comigo, meu irmão me questionou "Sarah, qual é seu sonho?". Eu não sabia qual era meu sonho, mas sabia que queria sair de Brasília e viver uma nova experiência em outra cidade, desde pequena eu tinha essa vontade. "Como você vai viver em outra cidade se você tem medo de andar na rua?". Aquilo me calou fundo. No mesmo dia, resolvi caminhar no fim de tarde. Há anos eu não saía àquela hora, porque tinha medo de sair de casa à noite. Respirei fundo e comecei a prestar atenção à minha volta. Não sei se vocês sabem, mas cada pôr do sol em Brasília é um espetáculo à parte, com todo aquele céu, com todas aquelas cores. Naquela paisagem linda, pessoas caminhavam tranquilamente. Tranquilamente! Então eu percebi "Sim, Sarah, qualquer coisa pode te matar, mas isso não é motivo para deixar de viver".
Quando aconteceu o tiro, fiquei traumatizada de certo modo. Mas, ao contrário do estresse pós-traumático, acho que tive o não tão famoso crescimento pós-traumático. Foi algo que me assustou tanto que me fez repensar a minha vida e querer me superar. A partir de então, tive meu processo de anjo e iniciei meu processo de saída do meu fundo de poço.
A partir de então, comecei a sair de casa, me soltar completamente. Conheci novas pessoas, me permiti acontecer. Foi quando conheci Bruninha, outro anjo, que há pouco tempo havia sofrido uma experiência muito similar à minha com o pai que, como minha mãe, havia perdido a luta para o câncer. A Bruna era minha vizinha e passou a me dar caronas para a UnB. Seu pai era escritor e professor de Letras, desde pequena ela estava acostumada a esse universo, foi mais que natural mostrar para ela minhas poesias, dizendo que um dia queria ser escritora. Um dia ela olhou pra mim com aqueles olhos capazes de ler sua alma inteira, e me falou convicta e sorridente "Sarah, você não vai ser escritora um dia, você já é! Você tá no curso errado, devia estar fazendo Letras!". Sim, a Bruna leu meu sonho estampado na minha cara que, até então, eu nunca tinha percebido.
Passei a pegar matérias de Letras junto com a Bruna, assim meu sonho foi se definindo diante de mim. Depois trabalhei no Centro Cultural do Banco do Brasil, onde pude conhecer a arte da mediação, trabalhando com públicos diversos. Era como se cada dia eu desse uma aula diferente. E isso me satisfazia completamente. Mais se define o sonho: sim, quero ser professora de português!
Mais ainda, além de definir um sonho e objetivo de vida, passei a equilibrar várias áreas da minha vida, estava me sentindo muito plena. Passei a fazer capoeira e yoga, trabalhando meu corpo e minha mente. Passei a frequentar semanalmente palestras de parapsicologia. Por fim, conheci meu terreiro de Umbanda e senti um enraizamento ancestral, passei a frequentar o terreiro 3 vezes por semana. Cada vez mais eu senti minhas plumas tornarem-se penas e, quando me senti pronta, resolvi tentar voar sozinha. Resolvi sair de Brasília e fazer um curso de Letras, logo passei no vestibular pra UFSC e me mudei para Florianópolis. E, há 1 ano e meio, tenho estudado o que realmente amo, aprendendo a me virar sozinha e, dia a dia, crescendo um pouquinho mais. É claro que ainda tenho mundos e universos para crescer, sei disso. Eu só dei o primeiro passo rumo ao meu sonho, mas consigo vê-lo e me recuso a perdê-lo de vista. Acho que a grande mudança que se operou em mim de lá pra cá, é que agora tenho consciência de quem nasci pra ser e não abro mão de jeito nenhum de tudo que vi em mim, de tudo que tive de superar para chegar até aqui e de tudo que aprendi nesse processo. Agora estou de volta, cheia de novos pontos de vista, e prontinha para dividir com vocês o que tenho visto nesses vôos, ainda desajeitados!